Call | Arte, Cultura e Comunicação

Chamada para trabalhos | Arte, Cultura e Comunicação

Coordenadores

José Soares Neves (ISCTE-IUL/CIES-Iscte)

Paula Abreu (FEUC/CES)

Paula Guerra (FLUP/IS-UP/ CITCEM/DINÂMIA'CET-Iscte)


A Secção Temática de Arte, Cultura e Comunicação da Associação Portuguesa de Sociologia convida a uma reflexão em torno dos desafios para a sociologia na contemporaneidade tendo como mote a polarização das sociedades. Podemos dividir a polarização em dois tópicos: um concernente ao adjetivo “polarizado”, ou seja, aquele que se polarizou ou aquele que se deixou dominar face ao outro; o outro tópico incide no verbo “polarizar”, que é, em si, o ato de causar a polarização, de provocar a concentração. Assim, para efeitos deste call, convidamos e incentivamos à submissão de propostas que analisem os dois polos do conceito, com o intuito de alargar os nossos campos de discussão e de debate com o olhar nas artes, na cultura e na comunicação.

Na verdade, são vários os casos de polarização, uns externos e outros internos. Relativamente aos externos, podemos abordar a invasão russa à Ucrânia e o receio sobre uma conflagração nuclear, bem como a tensão sobre a necessidade de combater ou ceder às ameaças russas; a contínua ascensão da extrema-direita na Europa, cada vez mais presente nos parlamentos e governos de muitos países, com o que isso representa de ameaça à afirmação das diferenças e à democracia; os efeitos da humanidade no clima e dos impactos crescentes no aquecimento global; o receio de uma futura crise económica e financeira, agradava pelos efeitos conjuntos do pós-COVID-19 e da invasão russa à Ucrânia, entre outros. Em relação aos internos, identificamos a acumulação de crises sociais, seja o desemprego e a precariedade jovem, a falta de habitação, o retrocesso de algumas causas tidas como garantidas, etc. Tudo isto sob o pano de fundo de uma nova geração marcada pelo que vários sociólogos apelidam de “superdiversidade” (Peláez et al., 2022), uma geração que cresceu e chega à maioridade numa sociedade caracterizada pela explosão e proliferação de identidades, crenças e valores. No fundo, trata-se do surgimento de uma nova geração com valores que se oporão a muitos dos valores políticos estabelecidos: dados do último British Social Attitudes adiantam que são os zoomers aqueles que menos orgulho demonstram no seu país; que demonstram maior preocupação com os imigrantes e minorias étnicas/religiosas/sexuais e essa preocupação reflete-se no seu dia-a-dia, com mais de metade dos zoomers norte-americanos a afirmarem conhecer alguém que é transgénero (Goodwin, 2022). Isto enuncia uma possível polarização geracional, com muitas segmentações, e, por outro lado, entre as forças estruturais da polarização e as forças da diversidade.

Esta superdiversidade tem inelutavelmente os seus impactos nos mundos da arte e da cultura, em que é possível se observar artistas comprometidos e a envolverem-se em lutas políticas e sociais, como é o caso de movimentos como o #MeToo ou a luta antirracista, com obras de artistas como Clara Não ou Grada Kilomba a chegarem a um número cada vez maior de pessoas. A velha preocupação de arte pela arte está a ruir, substituída por um artivismo, em que arte e ativismo social e político andam de mãos dadas e respondem rapidamente a acontecimentos sociopolíticos.

Assim, a arte é um meio de revolta e de denúncia, mas também um meio de sobrevivência, como dão conta as trajetórias do-it-yourself marcadas pela precariedade e instabilidade laboral. Concomitantemente, emergem preocupações que giram em torno da expansão dos mercados de arte digitais de NFT (non-fungible token) que podem ser vistos como uma nova vaga da culturalização da economia, agora transportada para o digital. Estas disparidades criam gaps na própria disciplina, pois – e usando da ironia – uns estão sempre um passo à frente, por vezes alheios às dificuldades do Outro. Na verdade, já Marx escrevia que os indivíduos possuem controlo sobre as suas vidas, mas que esse mesmo controlo apenas é exercido no âmbito de um contexto histórico que os levou até esse momento.

Não obstante, a sociologia resulta da diversidade de experiências. Ou seja, a sociologia, enquanto disciplina, além de ser afetada pela polarização das sociedades, também cresce com essa polarização. E o conceito de superdiversidade abre novas perspetivas de investigação sociológica para os próximos tempos, de forma a retratar as diferenças religiosa, social, cultural, política, económica, educacional ou de género, não deixando de desafiar a compreensão dessa diversidade no contexto das relações de força estruturais que geram polarizações. Deste modo, os conceitos de polarização e superdiversidade procuram dar resposta aos desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas. Então, ambos os conceitos estabelecem o mote para esta call, que é o de refletir através do self o posicionamento do outro.

O que pretendemos com esta call é desafiar ao debate sobre o modo como os mundos artísticos, culturais e comunicacionais, os seus profissionais, nos diversos contextos institucionais, redes e públicos, se envolvem nestas controvérsias recentes. Em que plano fica a arte, a cultura e a comunicação em relação a estas sociedades polarizadas? Qual é o papel dos artistas e dos agentes culturais na promoção e no combate à polarização política, económica, cultural, social, artística e ambiental da contemporaneidade? De que forma estes poderão servir de “pontes” para se alcançar pontos de contacto (mas não unanimidade)? De que forma e em que campos, os mercados e as políticas públicas atuam em relação a esta polarização? De que forma serão as identidades individuais e nacionais afetadas pela polarização das sociedades? E quanto aos modos de produção, consumo e distribuição de produtos artísticos e culturais? Continuarão os mesmos a serem afetados por esta polarização e divisão das sociedades? Ou, de forma mais resumida, qual será o papel da sociologia neste contexto? Quais são as prospetivas dos sociólogos face ao futuro da investigação sociológica? Qual é o papel da superdiversidade na investigação sociológica contemporânea? Estas questões visam romper com a visão eurocêntrica e polarizada que tem dominado as ciências sociais e, em particular, a sociologia da cultura, das artes e da comunicação, quer do ponto de vista epistemológico, quer do ponto de vista ontológico, de modo a corresponder aos desafios colocados pelas realidades contemporâneas.

Deste modo, convidamos todos os sociólogos/as ao envio de propostas de resumo de investigações situadas em contexto académico e não académico como resposta à nossa call.

Serão aceites posters e documentos visuais como curtas-metragens ou pequenos filmes centrados em projetos ou intervenções artísticas, culturais e comunicacionais. Estas propostas, não obstante as diferenças entre contexto académico e contexto não académico, devem ser formuladas considerando um enquadramento teórico, objetivos, metodologias utilizadas, diagnóstico, resultados e conclusões. Estas mesmas propostas devem ser acrescidas de três ambições: a da inovação, a da mudança social (e sociológica) e a da monitorização.

A ST poderá depois selecionar a(s) melhor(es) comunicações para serem propostas para publicação na revista SOCIOLOGIA ON LINE.

Versão PDF

Referências

Fasenfest, D. (2022). The challenge for sociology: The value of the critique. Critical Sociology, 48(2), 189-192.

House, J.S. (2022). The culminating crisis of American sociology and its role in social science and public policy: An autobiographical, multimethod, reflexive perspective. Annual Review of Sociology, 45, 1-26.

Paláez, A.L.; Aguilas-Tablada, M.V.; Erro-Garcés, A. & Pérez-García, R.M. (2022). Superdiversity and social policies in a complex society: Social challenges in the 21st century. Current Sociology Monograph, 70(2), 166-192.

Goodwin, M. (2022, 23 Setembro). Meet the Zoomers. Matt Goodwin's Substack. Disponível em: https://mattgoodwin.substack.com/p/meet-the-zoomers

logos barra geral aps23

powered by eventQualia